Filhos da seringueira
Os povos indígenas da Amazônia sabem, há séculos, como transformar o látex natural da seringueira em objetos emborrachados, mas foi com a descoberta da vulcanização da borracha que o látex começou a ser explorado em escala industrial. Do final do século XIX até meados do século XX, milhares de homens migraram para a floresta amazônica e se tornaram seringueiros. Desde então, esse ofício tem sido a fonte de sustento e elemento importante da identidade cultural de muitas comunidades e famílias. É o caso do grupo familiar do Doutor da Borracha, que recebeu o designer Bruno Sacramento de forma afetuosa, como se ele fosse um de seus membros. Juntos, o designer e os artesãos mergulharam em um intenso processo criativo que buscou honrar a história e a luta seringueira no Acre.
Algumas peças tiveram como principal inspiração a exuberância da natureza acreana, como as folhas da capeba, da sororoca e da costela-de-adão, bem como o formato curioso do cipó-escada. Confeccionadas com cores presentes na natureza, elas convidam a uma conexão profunda com a floresta. Outras peças tiveram inspiração no próprio método de trabalho do Doutor da Borracha e foram criadas a partir do reaproveitamento de resíduos que antes eram descartados. A junção de retalhos de borracha dá a textura, enquanto as espumas que se formam nas bandejas de coagulação do látex são combinadas em um colorido vibrante. Cheias de cor e vida, são peças únicas e, portanto, exclusivas.
Grupo familiar Doutor da Borracha
O grupo familiar do Doutor da Borracha vive na cidade de Epitaciolândia, a 230 quilômetros de Rio Branco, capital do Acre. É uma unidade produtiva familiar formada por dez artesãos comandados por José Rodrigues de Araújo, mais conhecido como Doutor da Borracha. Criam sapatos, bolsas, artigos de decoração e outros produtos a partir do látex da seringueira.
O Doutor da Borracha pertence à terceira geração de uma linhagem de seringueiros. Seu avô migrou da região nordeste para o Acre no período da Segunda Guerra Mundial para extrair o látex e, desde então, esse ofício tem sido passado para filhos e netos.
Antes de fazer o curso para aprender a técnica da Folha Semiartefato, ele já produzia sapatos de borracha usados para entrar na mata. Atualmente, o Doutor da Borracha transmite seus conhecimentos para seus filhos e para outros familiares, além de colaborar com pesquisas que buscam aprimorar os métodos de processamento do látex natural. Em reconhecimento à sua criatividade e luta pela preservação da floresta, o Doutor da Borracha recebeu o Prêmio Chico Mendes de Florestania em 2014.
História da borracha
Em 1839, Charles Goodyear descobriu o processo de vulcanização, que consiste em aplicar enxofre e calor ao látex para que ele seja estabilizado. O material passou a ter aplicação industrial. Entre 1890 e 1920, o látex natural foi intensamente explorado para atender às demandas de produção de pneus, solas de sapato e outros produtos. Nesse período, houve uma grande migração de brasileiros de outras regiões para a Amazônia e muitas comunidades de seringueiros surgiram. Manaus, Porto Velho e Belém viveram um apogeu econômico, com melhorias importantes da infraestrutura urbana, como a eletricidade, água encanada e a criação de museus e cinemas. O território que corresponde ao estado do Acre foi comprado da Bolívia nesse período, depois da ocupação por seringalistas e um conflito armado.
Esse primeiro Ciclo da Borracha começou a entrar em declínio em 1910, quando as seringueiras plantadas na Malásia pela Coroa Britânica com sementes contrabandeadas da Amazônia atingiram a maturidade produtiva. Como as seringueiras eram cultivadas em monocultura, o látex produzido na Malásia tinha um valor muito mais baixo, tornando o extrativismo amazônico inviável economicamente. A exploração da borracha teve um novo apogeu entre 1942 e 1945, na Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de fornecer matéria-prima para a indústria da guerra. A atividade foi tão intensa que o governo brasileiro criou um órgão de recrutamento de trabalhadores para extrair o látex. De maioria nordestina, esses homens ficaram conhecidos como “soldados da borracha”.
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